Faltam 54 bilhões para as escolas públicas serem dignas.
Daniel Cara.
11/03/2014 17h:24
Em 27 de fevereiro, o professor da UnB (Universidade de Brasília), Luiz
Araújo, defendeu na Faculdade de Educação da USP (Universidade de São
Paulo) sua tese de doutorado. Seu estudo calculou quanto o Brasil
precisa investir para que todas as escolas públicas sejam dignas e
garantam um padrão mínimo de qualidade. Conforme a pesquisa, em 2011, seria preciso que o país investisse cerca de 54 bilhões a mais nas escolas públicas de educação básica.
O tema da qualidade da educação pública é das principais preocupações da sociedade brasileira. No texto "Você colocaria seu filho para estudar embaixo de uma árvore?" argumentei
que uma infraestrutura adequada nas escolas é um fator imprescindível
para a qualidade da educação, além de ser um direito de alunos,
familiares e professores.
O trabalho de Luiz Araújo utilizou o estudo do CAQi (Custo Aluno-Qualidade Inicial) como referência. Desenvolvido pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação, o CAQi calcula
quanto a educação pública custa por aluno ao ano, considerando salário
inicial condigno, política de carreira e formação continuada aos
profissionais da educação, número adequado de alunos por turma, além de
insumos infraestruturais como: brinquedotecas, bibliotecas, quadra
poliesportiva coberta, laboratórios de informática e laboratórios de
ciências, etc
Leia abaixo uma rápida entrevista com Luiz Araújo, abordando alguns
temas de sua pesquisa intitulada "Limites e possibilidades da redução
das desigualdades territoriais por meio do financiamento da educação
básica".
Daniel Cara - Qual seria o custo para a garantia da educação pública de qualidade no Brasil?
Luiz Araújo - Para fazer esse cálculo trilhei um longo
percurso. Trabalhei com quatro simulações e todas elas utilizaram o CAQi
como referência. Em 2011, para garantir que todas as escolas públicas
tivessem um padrão mínimo de qualidade, o país precisaria investir R$ 54
bilhões a mais. Esse valor precisa ser atualizado anualmente.
Infelizmente, os dados necessários para fazer as simulações eram os de
2011, temos esse problema de transparência e atualização dos dados no
Brasil.
Cara - Como você chegou a esse número?
Araújo - Tomei
como base o Fundeb [Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação
Básica e Valorização dos Profissionais da Educação] e analisei as contas
de todos os entes federados. Adianto que esse recurso novo precisaria
vir da União. Sendo didático, em 2011 e para implementar o CAQi, a
complementação da União ao Fundeb precisaria ser de R$ 63 bilhões. Como o
Governo Federal transferiu cerca de R$ 9 bilhões, faltaram R$ 54
bilhões. Esse é o custo da garantia da qualidade.
Cara - Por que a complementação deve ser do governo federal?
Araújo -
O Governo Federal é o que mais arrecada e menos colabora com a
educação, especialmente com a educação básica. Mesmo sendo essa
colaboração uma obrigação constitucional, prevista no parágrafo primeiro
do artigo 211, trecho em que é tratada a colaboração federativa na
educação, que é entre a União, os estados, o distrito federal e os
municípios.
Cara - Por que você decidiu calcular quanto custa a implantação do CAQi em sua pesquisa?
Araújo -
O CAQi é a materialização de padrão mínimo de qualidade para todas as
escolas públicas brasileiras. Resolvi utilizá-lo como parâmetro porque
ele incide diretamente na desigualdade da oferta educacional. Em outras
palavras, ele estabelece um patamar socialmente aceitável para a
garantia do direito à educação e força a elevação da qualidade das
escolas nas regiões e nos municípios mais pobres do país, aproximando-as
da situação de Estados como São Paulo. Acredito que um trabalho
científico não pode ficar apartado do debate vivo travado na sociedade. E
a sociedade brasileira tem exigido, cada vez mais, educação de
qualidade. E para isso é preciso atacar a questão das desigualdades.
Cara - Quais seriam os benefícios da implementação do CAQi para a redução das desigualdades regionais?
Araújo - A implementação do CAQi causaria uma queda
imediata de 12% na desigualdade de renda dos municípios, segundo
simulações baseadas no coeficiente de Gini. Para ser imediata, esta
queda é impactante. E seria provocada pelo aumento da participação das
transferências do governo federal nas finanças municipais. O potencial
do CAQi, como ferramenta de combate às desigualdades, é impressionante. O
CAQi possibilita um caminho para que a redução das desigualdades
territoriais seja travada em novo patamar.
Cara - Mais
recursos para os estados e municípios não é um risco? Não há graves
problemas de gestão nas prefeituras e nos governos federais?
Araújo - O
CAQi também determina parâmetros que vão gerar maior pressão sobre os
gestores estaduais e municipais. Os professores deverão receber o piso,
ter política de carreira, formação continuada e escolas decentes para
trabalhar. Os estudantes deverão ser respeitados, pois esses recursos
novos permitiram escolas adequadas. O país ganha e o dinheiro não poderá
ser desperdiçado, pois todos saberão o que é uma escola com o padrão do
CAQi.
Cara - Quais Estados e municípios seriam beneficiados com a implementação do CAQi via transferências do governo federal?
Araújo - Meus
estudos mostraram que mesmo Estados considerados ricos ainda não
alcançaram o CAQi em algumas etapas e modalidades. Ainda assim, os
principais beneficiados seriam os Estados do Norte e do Nordeste, pois
eles estão muito longe do padrão mínimo de qualidade.
Cara
- Na tramitação final do novo PNE (Plano Nacional de Educação) os
deputados precisam escolher entre o texto da Câmara e a versão de PNE do
Senado Federal. Com base na sua pesquisa, qual é a melhor alternativa?
Araújo - Com
certeza é o texto da Câmara dos Deputados, apoiado pela sociedade
civil. A versão do Senado significa inviabilizar a implementação do
CAQi, pois esse mecanismo só é viável com a complementação de recursos
do governo federal, essa é uma das conclusões da minha pesquisa. Só o
texto da Câmara oferece essa possibilidade de participação do governo
federal. E o governo federal teme exatamente isso: ter maior
responsabilidade. Por isso, o Planalto optou pelo PNE do Senado, pois
ele desresponsabiliza a gestão federal.
Cara - Nesse momento a educação se dedica à tramitação do
PNE, mas em 2020 termina o Fundeb. É possível dizer qual seria a melhor
alternativa para o futuro: o Fundeb como um sistema de 27 fundos
estaduais ou um fundo único?
Araújo - Essa
é uma pergunta muito importante, ou a mais importante. Falamos do
Fundeb no singular, mas deveríamos falar no plural: são 27 fundos
estaduais, com baixa participação da União.
O Fundeb ainda é um modelo
de financiamento desigual. Eu responderia sua pergunta de três formas.Primeiro, se tivéssemos uma reforma tributária profunda em nosso país e
uma repactuação federativa talvez não fosse necessário prorrogar o
Fundeb ou criar alternativas baseadas em fundos, sejam elas de fundos
estaduais ou de um hipotético fundo único.
Segundo, mesmo sendo
necessária, a Reforma Tributária é uma agenda difícil. Sem ela, e
querendo diminuir as desigualdades regionais para patamares menores do
que os atuais, as alternativas estão atreladas a uma participação maior
da União, como prevê a Constituição Federal e o texto de PNE da Câmara
dos Deputados.
Assim, para resolver parte significativa do
problema, mas sem Reforma Tributária, o país conta com o CAQi,
desenvolvido pela sociedade civil. Para alcançá-lo precisamos de R$ 54
bilhões por ano a mais, só em educação básica. O CAQi pode ser
implementado tanto pelo sistema atual de fundos estaduais, que é o
Fundeb, quanto por um fundo único. Conceitualmente o fundo único é mais
justo, mas os efeitos financeiros com um aporte maior do Governo Federal
não são tão distintos. Isso eu calculei na minha pesquisa.
Terceiro, o objetivo do meu trabalho foi provocar um debate sobre novas
bases de financiamento da educação básica, especialmente quanto à
reformulação do Fundeb. Independentemente de qual será o modelo a ser
adotado no futuro, o central é perseguir o padrão de qualidade e, pelo
menos, o padrão mínimo de qualidade.
Cara - Para terminar, por que o CAQi ganhou destaque na agenda pública brasileira?
Araújo - Porque
houve um persistente trabalho de convencimento realizado pela sociedade
civil, especialmente pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação que
foi quem criou o mecanismo. Além disso, a aceitação do CAQi pelos
delegados e delegadas presentes na Conae (Conferência Nacional de
Educação) de 2010 foi decisivo, porque ali ele ganhou legitimidade
política. Isso foi decisivo para que o Conselho Nacional de Educação
aprovasse uma proposta de resolução sobre o tema, concluindo o termo de
cooperação com a Campanha. E isso é muito importante, mesmo diante do
fato de que o CAQi ainda não foi homologada pelo MEC.
Além
disso, durante a tramitação do PNE, a necessidade de maior participação
da União e de medidas eficazes para diminuir as desigualdades
territoriais apareceu com força. Nesse momento, mais uma vez, a Campanha
[Nacional pelo Direito à Educação] persistiu. Foi assim que o CAQi se
firmou como um dos instrumentos para resolver este problema.
Sinceramente, espero que o meu trabalho ajude a consolidá-lo como este
parâmetro redistributivo. E é gratificante ver que uma construção da
sociedade civil, tão bem elaborada tecnicamente e cuidada politicamente,
tenha o poder de transformar o Brasil em um país mais justo. Trilhar
esse caminho propositivo é o desafio para a sociedade civil aqui e em
qualquer lugar do mundo.
fonte:
http://educacao.uol.com.br/colunas/daniel-cara/2014/03/11/faltam-54-bilhoes-para-as-escolas-publicas-serem-dignas.htm
Postado por:
Ayrla Julliana da Silva Costa.
Graduanda do curso de pedagogia ( UFCG ) e Bolsista do PET.
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