sexta-feira, 21 de março de 2014

NOTA EM FAVOR DA ESCOLA PÚBLICA NO ESTADO DE GOIÁS

    A Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás manifesta publicamente seu repúdio a toda e qualquer prática de militarização da educação pública goiana e afirma preocupação com as matérias recentemente publicadas em diferentes meios de comunicação que noticiam a ampliação do número de escolas públicas geridas pela Secretaria da Segurança Pública/Polícia Militar (SSP/PM) no estado de Goiás.
   Conforme as referidas matérias, o Governo de Goiás, sob o pretexto de diminuir a violência, passará para a administração da SSP/PM mais dez escolas em diferentes cidades do Estado de Goiás, com mais 4.732 vagas no ano de 2014. Dessa forma, o governo de Marconi Perillo delegará a responsabilidade de dezesseis escolas públicas (já existem seis) à Secretaria da Segurança Pública por meio da Polícia Militar do Estado de Goiás (ver matérias veiculadas no Jornal O Globo, de 16/01/2014, no Portal Aprendiz UOL (17/01/2014) e no próprio site da Secretaria de Estado da Casa Civil, em 22/01/2014).
   Ainda conforme o noticiado, para se manter em uma escola dirigida pela PM, cada aluno deverá pagar a matrícula, no valor de R$ 100, e uma mensalidade de R$ 50. As famílias dos alunos deverão custear também o material didático - valor de dois livros: R$ 300 – e o uniforme (de motivos militares, incluindo os sapatos), adquiridos fora do estabelecimento escolar e que podem chegar a até R$ 600. Ou seja, para manter o filho em uma escola “pública” dessa natureza, a família terá que despender, anualmente, cerca de R$ 1.500. Caso não possa arcar com esse valor, o aluno terá que ser matriculado em outra escola da rede pública. A seguir nessa direção, talvez seja preciso que nos indaguemos se a escola pública continua a ser pública
   A respeito da política governamental que amplia o número de escolas públicas geridas pela PM e do que foi acima relatado, o primeiro ponto a ser destacado é que, em âmbito estadual a responsabilidade de garantir e promover o ensino público, sobretudo o Ensino Médio, é de responsabilidade da Secretaria Estadual de Educação do Estado de Goiás (SEE/GO). Ao transferir essa responsabilidade, sob qualquer alegação, para outra pasta, a SEE/GO, além de se abster de seu papel primordial, declara publicamente sua incapacidade de cumprir com as tarefas que justificam sua criação e existência. Faz-se necessário lembrar,
ainda, que a Secretaria de Segurança Pública, por meio da polícia Militar, tem o papel e a competência de manter a segurança da população, não de gerir estabelecimentos escolares.
   Em relação à violência, tema que preocupa a todos nós, vale lembrar que a escola faz parte da sociedade e que as práticas violentas observadas no interior das instituições e a seu redor refletem os problemas e os conflitos presentes em todos os âmbitos da vida em sociedade. Abordar a violência em âmbito escolar sem o entendimento do contexto em que ela se insere é ignorar relações muito complexas. Nós na universidade conhecemos as escolas não somente porque pesquisamos a respeito delas, mas também porque muitos de nós nelas fomos ou somos docentes. Conhecemos a escola por dentro e por fora, sabemos que a violência é algo grave e que afeta a todos nas instituições educacionais, mas a militarização não é saída, em primeiro lugar porque qualquer saída não basta (certas vias podem nos levar a precipícios…) e em segundo lugar porque há outras vias, mais desejáveis e mais condizentes com um país democrático e respeitoso do direito de seus cidadãos.
Existem experiências exitosas nas quais a escola, junto com toda a comunidade, tem enfrentado as situações de conflitos buscando saídas político-pedagógicas. Sabemos que não é simples, mas que não é impossível buscar formas alternativas de fazer deste espaço um lugar que cumpra de fato com seu papel educativo. A história nos mostra que projetos educacionais que agem sob repressão não são exitosos, pois, além de confrontarem os princípios democráticos, preceito caro para um país que viveu duas décadas sob o regime militar, tais projetos terminam por reproduzir a exclusão e o enfraquecimento do direito ao acesso de todas as crianças e adolescentes à escola.
   Outro ponto a ser destacado diz respeito ao pagamento de taxas e a compras de livros e uniformes em uma instituição pública. Tais práticas, à medida que incorporam a lógica do privado ao setor público, sinalizam afronta à Constituição Federal, pois esta estabelece, em seu Art. 208, que é dever do Estado garantir “educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria”. É irretorquível. Ademais, deve-se acrescentar ainda que é absolutamente descabido demandar a alunos matriculados em um estabelecimento sob a responsabilidade do poder público que comprem os próprios livros didáticos, sendo que o Ministério da Educação, com o Plano Nacional do Livro Didático (PNLD), oferece livros didáticos para esses alunos.
   De acordo com as matérias aqui mencionadas, estabeleceu-se que o diretor da escola será um policial com formação em Pedagogia e que as aulas de Educação Física serão ministradas por policiais militares, ficando as outras disciplinas a cargo dos professores da rede estadual. Dessa forma, a cessão da gestão das escolas públicas à PM representa não somente uma medida sem amparo no espírito que orienta a atual LDB como também uma afronta aos princípios de gestão democrática
da escola pública, como expressos no Art. 54 e 55 das Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica (CNE, Resolução N.º 4/2010). Nesse contexto, é oportuno ressaltar o fato de que os próprios profissionais da educação passam a experienciar uma situação constrangedora, pois se submeteram a um concurso público cujo lugar, muitas vezes, foi obtido com dificuldade e agora precisam se submeter a um gestor escolar que não está em relação de isonomia com eles, visto que o diretor é proveniente de carreira militar, ocupando função de direção da escola sem concurso específico ou eleição direta.
    Longe de esgotar o tema, questionamos aqui a diferenciação que o processo de militarização estabelece entre as escolas públicas do Estado de Goiás. Os equívocos são graves e as consequências podem representar um retrocesso na consciência política da sociedade goiana, pois as medidas que buscam a diferenciação das instituições escolares podem trazer, subliminarmente, o entendimento de que as camadas populares devem receber tratamento diferenciado, disciplinador, definido segundo um ponto de vista centrado no controle, e não busca de resolução dos conflitos presentes na sociedade. A militarização de parte das escolas pode, ainda, criar a ideia de que se busca oferecer – e não importa a que preço, tampouco os princípios sacrificados – algumas ilhas de excelência entre um conjunto de escolas públicas e professores em penúria. Enfim, entendemos que a opção pela militarização de escolas públicas nos afasta de um ideal republicano, que prevê a garantia da educação pública de qualidade a todos os cidadãos, sem qualquer distinção. Questionamos veementemente a política e a concepção de educação encoberta por essas medidas.
   A escola pública e seus profissionais são perfeitamente capazes de assumir suas responsabilidades, desde que lhes sejam dadas as condições para tanto. Bases que possibilitem desde a valorização profissional em relação ao salário e à carreira, bem como, destaque importante, igualmente em relação ao apoio para a organização do trabalho pedagógico adequado às questões reais a serem enfrentadas. Isso exige equipe técnica capacitada nas secretarias de educação e, além disso, maior aporte de recursos e interesse do governo estadual, em conformidade com o que a sociedade goiana espera de um governo democraticamente eleito.
   A escola pública é um direito, um direito de todos, independente das condições sociais de cada família. A Faculdade de Educação, com seus mais de 45 anos de existência, manifesta-se aqui publicamente pela garantia desse direito.

Goiânia, 26 de fevereiro de 2014. 

Postado por:
Bruna Diniz e Maria das Dores
Graduandas do Curso de Pedagogia e Bolsistas do PET.

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